O caçula de Wainer

Ao lançar o jornal Última Hora, Samuel Wainer entrava para a história como uma das figuras mais importantes do jornalismo brasileiro. Trinta anos após a sua morte, a saga do jornalista continua presente. E, conversando com Bruno Wainer, filho caçula de Samuel com a escritora Danuza Leão, isso fica ainda mais claro.

Em entrevista ao "Só quero ser lido", o dono da distribuidora Downtown Filmes falou sobre a relação que tinha com pai, a morte do irmão, o também jornalista Samuel Wainer Filho, e o sentimento que tem pela família de Carlos Lacerda, inimigo número um do dono do jornal Última Hora. Confira:

Bruno, não dá para não começar a entrevista sem essa pergunta. Como é ser filho do Samuel Wainer?

Bruno Wainer: Quando meu pai morreu, eu tinha apenas 20 anos. Apesar do pouco tempo que convivemos juntos, meu pai significa tudo para mim. Ele foi muito mais do que o jornalista que as pessoas conhecem. Ele era muito carinhoso com a gente, contava muitas histórias e sempre esteve ao nosso lado. Meu pai era maravilhoso.

Na autobiografia do seu pai, “Minha razão de Viver”, escrita por Augusto Nunes, ele diz que, embora não tenha deixado uma herança material significativa para os filhos, se orgulha do legado cultural e moral que deixou para vocês. Em algum momento você ficou frustrado por isso?

BW: É claro que sim. Meu pai foi dono de um jornal, teve muito dinheiro, viveu todo um glamour. Eu só peguei a fase de perda e decadência. Mas foi assim que ele me ensinou a correr atrás da nossa sobrevivência, a dar a volta por cima. Sou extremamente grato ao meu pai por todos os ensinamentos que ele me deixou. Afinal, foi essa bagagem que eu herdei dele que me fez conquistar tudo o que tenho hoje. E isso me deixa muito feliz.

Em que o Bruno empreendedor se parece com o pai?

BW: Na época do Última Hora ele teve que negociar com políticos, banqueiros e outras pessoas influentes para levar o seu negócio à frente. Eu trabalho com cinema e também tenho que me relacionar com esse universo. Não há como sobreviver no mercado sem fazer política. Você depende de investidor, de patrocínio, de liberações, autorizações. Essa boa articulação que o meu pai tinha eu também herdei. Hoje em dia meu pai estaria vibrando com a minha carreira.

Então você se acha o mais parecido com seu pai?

BW: Com certeza. Meu irmão tinha o mesmo nome dele e a mesma profissão. Mas, ainda assim, eu sou o mais parecido com ele, sem dúvida.

Com as mulheres também? Apesar de conquistá-las, seu pai chegou a dizer que não tinha uma ligação tão forte com elas quanto com os filhos?

BW: (risos) É, acho que até nesse aspecto eu me pareço com ele. Embora eu ame quem está comigo, nada supera o amor pelos meus filhos.

Você falou do seu irmão… Como você superou a morte dele quatro anos depois de ter perdido seu pai?

BW: Foi uma época de muitas perdas na minha família. Perdi meu pai, logo depois meu irmão, minha tia (a cantora Nara Leão) e meu avô. Foi muito difícil. Nós éramos muito próximos, tínhamos um elo muito forte. Mas meu pai nos ensinou a encarar a vida como ela é, por isso eu segui em frente, não teve jeito.

Como é o seu lado pai?

BW: Tenho dois filhos. Um é ator e o outro estuda psicologia. Eu tento ser como o meu pai era para mim: amigo, companheiro, presente. Somos muito próximos, temos afinidade.

Bruno, na autobiografia do seu pai fica claro que ele e Carlos Lacerda eram inimigos. Sobrou algum vestígio dessa inimizade entre os Wainer e os Lacerda?

BW: Não há como negar… Existe sim. Eu cruzei poucas vezes com eles, mas rola uma antipatia sim. Eu já encontrei com o Carlos Augusto Lacerda (diretor da editora Nova Fronteira) e a gente se olhou meio cruzado. É claro que eu não carrego ódio de ninguém, mas o Carlos Lacerda prejudicou não só o meu pai quanto o País inteiro. Ele foi o maior líder civil que apoiou a Ditadura Militar, que, ao meu ver, acabou com o Brasil. Além disso, ele levou Getúlio Vargas, um dos maiores líderes políticos que o Brasil já teve, a se matar, e fez com que Jânio Quadros renunciasse. As coisas ruins que ele fez foram bem maiores que as boas.

E você acha que esse sentimento vai seguir pelas gerações futuras?

BW: Acho que não. Com a minha mãe, por exemplo, não há papo. Ela quer distância dos Lacerda. No meu caso, só aceito um diálogo se estiver bem claro quem ele foi. Tudo bem que a minha visão é partidarista, mas o Carlos Lacerda ultrapassou os limites, ele fez mal a uma nação, não a um homem somente. Mas com os meus filhos já é diferente. Um dia desses um deles encontrou um neto do Lacerda na faculdade e eles até trocaram uma idéia. Meu pai me ensinou a não guardar nada de ruim, a viver sem rancor. E eu tento fazer isso.

E você acha que seu pai chegou a perdoar Carlos Lacerda?

BW: Acho que… Bem, pra falar a verdade, não. A única pessoa que, talvez, meu pai não estenderia a mão seria o Carlos Lacerda. Ele tinha ódio do meu pai, a vida dele era prejudicá-lo. As trajetórias deles sempre estiveram juntas, mas o meu pai nunca quis derrubar o Carlos Lacerda, ele apenas se defendia. Mas acho que o meu pai nunca o perdoou e jamais o perdoaria.

O que restou da amizade de Wainer com Getúlio Vargas?

BW: A relação do meu pai com a família Vargas era muito forte, principalmente com a Alzira. Mas depois da morte dela isso acabou. Mesmo tendo amizade, meu pai sempre foi muito independente. Nós nunca cativamos esse tipo de amizade entre famílias, nunca carregamos esses títulos de “amigos dos Vargas”. Sempre fomos muito ligados entre a gente, e isso basta.

Você acha que a história do seu pai é valorizada no Brasil?

BW: Olha, o Brasil não tem memória. E com o meu pai não seria diferente. O que me deixa feliz é ver que, até hoje, as pessoas se identificam e se emocionam com ele. Quando lançamos a autobiografia do meu pai, a gente não imaginava que ele faria tanto sucesso. A história dele é muito atual, mexe muito com as pessoas. E isso me orgulha muito, fico extremamente feliz por ser filho do Samuel Wainer.