domingo, 26 de maio de 2013

O amor que cura

A igreja estava lotada. Uma multidão de esperança em forma de gente. Cada um com suas dores, dilemas e histórias. Todos em busca de milagres – ou de uma mera dose de ilusão. A poucos bancos do altar, a mulher orava e levantava os braços, cheia de fé em seu velho propósito de ser curada da homossexualidade. Ela não alcançou tal graça, mas protagonizou o principal momento da noite, quando o pastor apontou para ela, e avisou aos fiéis: “O diabo está entre nós, irmãos. E de saia!”. Não bastava ser negra, pobre e favelada. Afinal, o homem de terno e gravata, que em seguida passou uma sacolinha ávida por dinheiro, falava em nome Deus.

O episódio não é o dos piores na vida de Andreia Torres. Aos 14 anos, a ex-técnica de enfermagem foi expulsa de casa pela mãe por ser lésbica. Apesar de conviver com diferentes tipos de pessoas e orixás no centro de Umbanda que comandava, ela nunca aceitou a condição da filha. E para fugir do frio e da fome que sentiu nas ruas, a então adolescente bateu na porta de uma igreja evangélica. Acolhida, recebeu o diagnóstico: estava sendo oprimida pelos demônios vindos da religião de sua mãe.

Na tentativa de se libertar, a moradora de uma conhecida favela de Niterói, no Rio de Janeiro, começou a namorar um amigo crente. “Como a gente não tinha contato sexual, deu pra levar por quase dois anos”, conta. O término da relação se deu junto à chegada do primeiro amor de Andreia. A colega de escola tinha namorado, mas cedeu às investidas e se tornou amante da mulher com jeitão de malandro, atualmente dando expediente durante as madrugadas como uma rígida porteira.

A flamenguista, hoje com 40 anos, já viveu muitos amores. Todos intensos, repletos de romance, ação e drama. Tanto que, num deles, acabou conhecendo as drogas e algo que jamais imaginou experimentar: homens. Apaixonada, Andreia levou algum tempo para descobrir que estava com uma garota de programa. Além de assumir uma criança de sete meses, ela chegou a participar de orgias para não perder a amada. “Foram cinco anos de sofrimento. Até tiro levei por causa daquela mulher”, diz.

Andreia, então, decidiu voltar à igreja. A oferta de uma nova vida oferecida pela religião era simplesmente tentadora. Lá, engatou um relacionamento com um pastor e, apesar da permanente atração por mulheres, foi morar com ele. Um dia, ao servir o café da manhã ao marido, alguém bateu à porta. “O cara era casado! Eu lá dando uma de ‘Amélia’, e o infeliz com família e tudo na rua”, relembra ela, aos risos. A decepção – neste caso, com ela mesma – passou com a labuta.

Estimulada pelos cultos voltados à prosperidade financeira, Andreia fez cursos técnicos e chegou a trabalhar em três lugares de uma vez só. Até que um dia, uma paciente lhe chamou a atenção. Com nome de santa, Maria Auxiliadora, casada e mãe de duas filhas, saiu de casa para viver com Andreia. “Estamos juntas há oito anos. A gente vive bem, somos felizes. Aquela mulher é tudo pra mim”, garante a porteira, agora praticante do Kardecismo.

Apesar da vida equilibrada e tranquila que leva, Andreia guarda uma tristeza: a rejeição da mãe. A porteira lamenta, mas espera um dia poder usar seus bermudões perto dela sem que isso a machuque. Mas ainda é preciso sarar algumas feridas... Nada que o amor não possa curar, como acontece com os verdadeiros milagres.

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