Encontrei essa mineira de Montes Claros no caminho para o meu trabalho. Puxei assunto com ela perguntando sobre seus seis cachorros: Batata, Suzi, Neguinho da Beija-Flor e outros três que respondem pelo nome de Crioulo. De conversa fácil, voz firme, olhos miúdos e sorriso tímido, pediu apenas para não ser chamada de dona. Mero desejo de quem não espera muito da vida. A não ser viver por mais vinte anos, apesar de já se sentir um pouco cansada.
Delvira perdeu o pai, militar da Aeronáutica, em seu ano de debutante. O episódio a trouxe para o Rio juntamente com os quatro irmãos mais novos e a mãe, que morreu logo em seguida. A partir daí o tempo e alguns problemas não resolvidos foram a afastando de sua parentela, sobre a qual ela faz um desabafo: “Nunca mais tive contato com ninguém. Há muitos anos vi um irmão passando longe... Às vezes sinto falta, mas prefiro assim”.O dissabor causado pela distância da família foi suprido pelo trabalho. Assim que pisou em terras cariocas, Delvira conseguiu um emprego como auxiliar de limpeza em uma fábrica têxtil, onde aprendeu a costurar. A profissão, que exercia até pouco tempo, antes de começar a sofrer com uma forte labirintite, lhe garantiu uma aposentadoria de pouco mais de 600 reais. “O suficiente para eu viver bem, alimentar meus bichos e tomar minhas cervejas”, garante.
Aliás, só o bar tira a mineira de sua empoeirada casa de quatro cômodos e dois banheiros, cujo aluguel de R$ 300,00 é dividido com um colega estofador que ocupa metade da residência. A relação com os vizinhos não poderia ser melhor. Todos da redondeza a tratam bem – desde os policiais da escola militar e do 6º Batalhão, que a ajudam a cuidar da saúde e a tratar dos cachorros, até os padres da Igreja de Sant'Ana, para quem diz já ter costurado muita batina.
Às vezes Delvira passa o dia inteiro à base de café e biscoitos. Mas é por opção. “Adoro peixe, galinha e legumes cozidos. O problema é que tenho preguiça pra cozinhar”, explica. A costureira só tem saudades de uma coisa na vida: do mar, que não vê há uns oito anos. Católica, vai à igreja de vez em quando, apesar de rezar todos os dias. Raiva? Só dos políticos. “Odeio essa raça”, desconjura a aposentada.Já encontrei Delvira cambaleando bêbada pelas ruas da Cidade Nova algumas vezes. Tombos, só por causa da tal labirintite. Mas quando o assunto é o amor, ela tropeça. Primeiro, diz que nunca namorou. “Não tinha paciência pra isso”. Com insistência, a costureira de coração remendado confessa: “Gostei de um único homem na vida, mas não deu certo. Melhor assim”. Se seus planos derem certo, Delvira continuará na janela por muitos anos. É por isso que ela tanto espera.

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