Numa região conhecida como Cidade Nova, no Rio de Janeiro, uma velha casa se destaca por sua grande janela de madeira virada para a Rua Marquês de Pombal. É por meio dela que a costureira aposentada Delvira Alves de Souza, de 80 anos, vê boa parte da vida passar – a dela e a de quem caminha pelo bairro que também abriga o Sambódromo, o Museu da Polícia Militar e o lendário edifício Balança Mas Não Cai.
Encontrei essa mineira de Montes Claros no caminho para o meu trabalho. Puxei assunto com ela perguntando sobre seus seis cachorros: Batata, Suzi, Neguinho da Beija-Flor e outros três que respondem pelo nome de Crioulo. De conversa fácil, voz firme, olhos miúdos e sorriso tímido, pediu apenas para não ser chamada de dona. Mero desejo de quem não espera muito da vida. A não ser viver por mais vinte anos, apesar de já se sentir um pouco cansada.
Delvira perdeu o pai, militar da Aeronáutica, em seu ano de debutante. O episódio a trouxe para o Rio juntamente com os quatro irmãos mais novos e a mãe, que morreu logo em seguida. A partir daí o tempo e alguns problemas não resolvidos foram a afastando de sua parentela, sobre a qual ela faz um desabafo: “Nunca mais tive contato com ninguém. Há muitos anos vi um irmão passando longe... Às vezes sinto falta, mas prefiro assim”.
O dissabor causado pela distância da família foi suprido pelo trabalho. Assim que pisou em terras cariocas, Delvira conseguiu um emprego como auxiliar de limpeza em uma fábrica têxtil, onde aprendeu a costurar. A profissão, que exercia até pouco tempo, antes de começar a sofrer com uma forte labirintite, lhe garantiu uma aposentadoria de pouco mais de 600 reais. “O suficiente para eu viver bem, alimentar meus bichos e tomar minhas cervejas”, garante.
Aliás, só o bar tira a mineira de sua empoeirada casa de quatro cômodos e dois banheiros, cujo aluguel de R$ 300,00 é dividido com um colega estofador que ocupa metade da residência. A relação com os vizinhos não poderia ser melhor. Todos da redondeza a tratam bem – desde os policiais da escola militar e do 6º Batalhão, que a ajudam a cuidar da saúde e a tratar dos cachorros, até os padres da Igreja de Sant'Ana, para quem diz já ter costurado muita batina.
Às vezes Delvira passa o dia inteiro à base de café e biscoitos. Mas é por opção. “Adoro peixe, galinha e legumes cozidos. O problema é que tenho preguiça pra cozinhar”, explica. A costureira só tem saudades de uma coisa na vida: do mar, que não vê há uns oito anos. Católica, vai à igreja de vez em quando, apesar de rezar todos os dias. Raiva? Só dos políticos. “Odeio essa raça”, desconjura a aposentada.
Já encontrei Delvira cambaleando bêbada pelas ruas da Cidade Nova algumas vezes. Tombos, só por causa da tal labirintite. Mas quando o assunto é o amor, ela tropeça. Primeiro, diz que nunca namorou. “Não tinha paciência pra isso”. Com insistência, a costureira de coração remendado confessa: “Gostei de um único homem na vida, mas não deu certo. Melhor assim”. Se seus planos derem certo, Delvira continuará na janela por muitos anos. É por isso que ela tanto espera.
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