quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Passado sempre presente

Ontem eu tive um dia corrido, cheio de compromissos inspiradores e inadiáveis. A melhor parte dele, porém, aconteceu por acaso. Eu estava no Jardim Botânico e precisava chegar rapidamente a outro bairro, também na Zona Sul do Rio. Tanta pressa me fez conhecer o tranquilo Seu Estevão, de 74 anos, que há mais de meio século trabalha como motorista de táxi.

O carioca vive com sua mulher em Vila Isabel, na quase invisível Zona Norte – região que, segundo ele, conhecia como a palma de sua mão. “Eu andava aquilo tudo antigamente. Hoje em dia fico só por aqui, onde tem mais granfino”, conta. As constantes dores na coluna fazem Seu Estevão pensar em parar. Mas não dá. Segundo ele, porque o valor de sua aposentadoria não é suficiente para pagar as contas do mês. Outro forte motivo parece fazê-lo insistir na árdua profissão. “Meus passageiros são como um diário. Desabafo muito com eles”.

Foi exatamente isso que aconteceu durante os nossos 30 minutos de trânsito congestionado. O bisavô de um menino de cinco anos começou nosso papo comentando a falta de educação de alguns motoristas. Depois reclamou do remédio de próstata que estava tomando e me fez uma pergunta um tanto quanto surpreendente. “Você acredita que a minha libido diminuiu?”. Disse que sim e perguntei o que sua senhora havia achado disso. A resposta foi rápida e em tom de brincadeira: “Ficou brava!”.

Essa foi a deixa para Seu Estevão falar sobre um assunto ainda mais delicado. Pai de três filhos, ele agora só tem um deles por perto. A história dos outros dois é um segredo de família, mas ele me contou com a condição de não revelá-lo aqui. Ambos são realmente difíceis, duros de suportar. Mas, pelo visto, o velho taxista segura bem o rojão. Quando sua voz começou a embargar, dei um jeito de mudar o rumo da conversa. “Ele já deve ter chorado demais nessa vida”, pensei.

Então falei com ele sobre as inúmeras possibilidades que a internet oferece. Algumas lhe pareceram impossíveis. Outras foram esclarecedoras. “Agora eu entendi por que o meu neto não sai do computador!”. Não demonstrando muito interesse no assunto, o carioca fez questão de dizer que é de outro tempo. E apesar das lembranças ruins lá de trás, o aposentado tem do que sentir saudade. “Eu queria muito encontrar dois amigos de infância, saber como eles estão. Penso neles todos os dias, acredita?”. Acredito, Seu Estevão. Como acredito...

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