sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ainda à espera

 Hoje o dia começou bem simplesmente pelo fato de ser uma sexta-feira. Na hora do almoço matei a saudade de alguns amigos e, voltando ao batente, percebi que a janela de Dona Delvira estava fechada. Lembrei, então, que não a via ali há algum tempo. "Deve ser por causa do meu novo horário", pensei. Mesmo assim, perguntei pela solitária costureira ao estofador que divide o aluguel da velha casa com ela. Assim eu soube que Dona Delvira, agora com 81 anos, estava internada no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, após sofrer um AVC.

Meu último encontro com ela foi há mais ou menos dois meses, quando combinei de levá-la à praia depois de anos sem ver o mar. Lá, encontraríamos com um amigo disposto a ajudar Dona Delvira. Mas ela não apareceu. A janela estava fechada, e a aposentada refugiada em seu esconderijo preferido: o bar.

Surpresa com a minha incômoda presença, ela se desculpou. Alegou ter compromissos. Balela. Medo de ser amparada, pois se acostumou a sempre cair e levantar sozinha. Dois dias depois, tentei remarcar nossa visita ao mar carioca, mas o tempo chuvoso do início do ano atrapalhou. Depois disso, um "tchau" daqui outro dali, até que minha nova rotina fez com que eu não a visse mais com tanta frequência. Nosso reencontro foi hoje, em um quarto de hospital.

Antes disso, em frente ao Souza Aguiar, quase vomitei com o forte cheiro de urina, sujeira e álcool dos moradores da calçada. Na fila de espera para a visita, todos pareciam doentes: rostos sofridos, roupas surradas, uma bíblia nas mãos, lágrimas, pedintes implorando por moedas, indignação e tristeza. Paredes sujas. Escadas com infiltração. Bebês intubados. Pessoas sofrendo em cima de macas pelos corredores. E no quarto 310 da enfermaria, ao lado de mais dois pacientes, Dona Delvira, de alta médica há 10 dias, mas sem ninguém para tirá-la de lá.

Quando me viu, a costureira brincou: "Meu Deus, eu não acredito. Você não larga do meu pé, hein". Emocionada, pediu para ir pra casa. Pedi calma, pois a estrada é longa. Dona Delvira ainda não sabe, mas o nome dela está na fila de espera para uma casa de repouso pública, e seus cachorros foram doados. Para realizar o desejo de viver até os 90 e de voltar para casa, ela precisa melhorar. Pelo visto, a grande janela da Rua Marquês do Pombal ainda ficará fechada por muito tempo.

Leia também: Dona Delvira: esperando na janela

Um comentário:

  1. História emocionante. Você consegue ser melhor do que sempre imaginei. Além de ser meu jornalista preferido, o coração é tão grande quanto o talento para distribuir sentimentos em textos.
    Quero conhecer sua amiga Delvira!!

    ResponderExcluir