sexta-feira, 17 de junho de 2011

Das dores, dos sonhos e das graças

Um olhar triste e poucas palavras. O cenário é a movimentada Avenida Ernani do Amaral Peixoto, no centro de Niterói (RJ). É lá onde a ambulante Maria das Graças, de 57 anos, tenta ganhar a vida todos os dias. Por volta das sete da noite, ela começa a montar sua barraca de doces e biscoitos. Fumando um cigarro e balançando as pernas ansiosamente, rapidamente soltou um tímido sorriso. Apesar disso, demorou muito para conseguir falar sobre sua vida.

Ainda criança perdeu a mãe, que morreu ao dar à luz a Luis Fernando, seu único irmão. Dois anos depois, a vida levou seu pai – “um policial honesto, como a gente não encontra hoje em dia”, sussura com ar de saudade. Órfãos, ela e o irmão foram morar com um tio. “A gente foi muito bem criado e tivemos uma infância feliz. Não me esqueço das brincadeiras com meus dois primos e o meu irmão ”, relembra Tia – como é carinhosamente chamada pelos clientes.

Em busca de uma vida melhor, ela saiu de São Luiz do Maranhão aos 23 anos. “Vim de Itapemirim, e a viagem foi linda”, comenta. No Rio, foi morar com uma amiga que já estava aqui há mais tempo e começou a trabalhar num hotel. Aos 25, casou-se e foi morar em Niterói. O marido era fotógrafo e vivia na noite carioca - razão pela qual ela diz ter se separado após 26 anos de casamento. “Ele não era assim, levado. Mas sempre foi uma boa pessoa”, ressalta, olhando sério para Tio, seu ex-marido e fiel companheiro de trabalho.

Sem filhos, ela jura que não o ama mais. Com ele é diferente: “Rapaz, a gente nunca vai deixar de se amar. Mas a convivência atrapalha. A vida a dois é muito difícil”, afirma o homem de sotaque nordestino que cuida da ex-mulher o tempo inteiro. “Ela não para de fumar. Se eu der mole, bebe também. Ela não pode, não tem saúde pra isso”, preocupa-se.

Na rua, a ambulante convive com menores de rua, mendigos, usuários de droga, prostitutas e até evangélicos (que fazem projetos sociais na fria madrugada da Cidade). “Já vi muita coisa aqui”, revela. Com uma renda mensal de aproximadamente R$ 300,00, Tia paga o aluguel da quitinete onde mora, ali mesmo, na avenida. O calmante e outros "remedinhos" ela consegue com a prefeitura.

Sem dinheiro e com a saúde debilitada, ela não vê a hora de retornar para sua terra natal, onde acredita que será feliz. Durante os 34 anos que esteve longe, a maranhense só visitou seus familiares uma vez. “A saudade é muito grande, chega a doer”, desabafa. Apesar dos amigos que faz em sua barraca, ela se sente sozinha. “No final de semana é tudo muito vazio, sem graça”.

Ao me despedir, ensaio a famosa canção “No dia em que saí de casa, minha mãe me disse…”. Ela rapidamente completa: “…filho vem cá”. E após um pequeno coral terminar de cantar, agradeço pela confiança e dou um “até mais”. Tia me pede um abraço, mas aproveita para me beijar no rosto. Depois, deseja um bom final de semana a todos. Vou embora sem saber seu futuro, mas com a esperança de que um dia ela encontre o que tanto deseja: a felicidade.



Escrito originalmente em 28 de abril de 2008

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