Recentemente, fui desafiado a visitar o heliponto da empresa onde trabalho para observar de cima a movimentação no entorno do prédio. O resultado dessa experiência resultaria em uma crônica – nesta aqui, para ser mais específico. Apesar de empolgante, a tarefa parecia um tanto quanto impossível, pois achei que os dias pesados de labuta não me permitiriam parar por alguns minutos para olhar a vida do alto.
E assim foi. Até a sexta-feira passada, dia 4 de novembro, eu sequer tive tempo para me lembrar do tal desafio. Os poucos segundos que tive foram suficientes para saber, em menos de 140 caracteres, de que aquele era o Dia da Favela. Fui procurar, então, um texto no qual eu relatava a minha primeira visita à Rocinha. Li, reli, compartilhei e, quando vi, havia arrumado tempo. Não para ir ao heliponto, mas para refletir. Pensei no povo que, embora durma e acorde olhando a cidade lá de cima, desce todos os dias para encarar a luta do asfalto.
Os minutos de calmaria duraram pouco. Terminei algumas coisas pendentes e fui almoçar correndo, pois tinha um compromisso importante na parte da tarde. Foi quando encontrei um colega enfurecido com os “criativos” títulos das reportagens de seu jornal preferido. Ao tentar entender sua aflição, acabei me deparando com um texto levemente destemperado.
Nele, uma crítica gastronômica elogiava a feijoada servida em um “modestíssimo botequim”, localizado num lugar “tranquilo, típico da Zona Norte, com casinhas centenárias (algumas intactas, outras um estrago!) em plena Laranjeiras”. Minha curiosidade em torno da iguaria só não era maior do que o meu interesse pelo tal cantinho do céu ilustrado pela jornalista – um espaço quase antropológico, com direito à mesa de plástico e tudo!
E para fechar com chave de ouro, ela encerrou sua crítica com a seguinte frase: “Deleite maior, só seguir a Cardoso Júnior e descer pelo outro lado, pela ladeira Novo Mundo (sem qualquer favela a vista), e desfrutar do visual. Não tem saideira melhor.”. Atônico, perguntei a alguns colegas se era um exagero achar aquele texto um absurdo. Para uns, sim. Para outros, não (afinal, ela falou o que muita gente pensa sobre esses lugares...).
Mais tarde, graças a minha indignação, fui parar no heliponto – não para me jogar de lá devido à falta de fé por uma sociedade mais justa e menos preconceituosa, mas para saber como é olhar para algo de longe. Era noite. Havia poucos carros e quase nenhuma pessoa na rua. Em volta, um grande relógio; o alto do sambódromo; os muros da polícia; o outro prédio onde se fabrica notícia. Longe, uma favela. Tão bonita, tão alegre, tão iluminada. Tão distante.
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